O campeonato não é do Rainha, é do Reinaldo


Foto: Record

Tenhamos noção de que este campeonato não é o melhor do Mundo, simplesmente porque não é deste Mundo. Foi com isto que sonhei quando ouvi falar em Pedro Gil, Bargalló e Nicolia a jogar o mesmo campeonato, mas jamais alguém imaginaria que chegaríamos a tanto. Este mês o hóquei em patins atingiu o seu auge, o ponto mais alto, só possível de superar quando as arbitragens estiverem ao nível dos atletas. Foi um ano em que tivemos aquilo que há treze anos dificilmente imaginaríamos, quando o Sporting não tinha hóquei e o Benfica caminhava para a sua extinção, a seleção não ganhava nada e a TV não sabia o que era um stick.

Este ano tivemos TV – de grande nível, tal como os intervenientes -, tivemos pavilhões cheios, tivemos os melhores jogadores do Mundo e tivemos emoção até ao último segundo. E temos as equipas do outro lado da tabela que, mesmo de capacidade inferior, conseguiram assustar os grandes e demonstraram, acima de tudo, organização, clarividência e rumo naquilo que eram os seus objectivos. Tanto assim é que, se olharmos para a classificação final, as duas únicas equipas que podemos realmente dizer que estiveram abaixo das expectativas são o Sporting e a Candelária, ou seja, cuja qualidade dos intervenientes pedia outra classificação ou, no caso leonino, outra pontuação. De resto, vemos equipas bem estruturadas e muitas delas com uma percentagem considerável de juventude dentro de pista.


Os quatro candidatos
Dos quatro candidatos ao título, em minha perspectiva, continuaram a existir apenas dois, tal como nos anos anteriores. Aliás, as duas equipas que já partiam em vantagem visto que pouco alteraram nos plantéis, ao contrário de Oliveirense e Sporting. Nestes casos, essa falta de entrosamento devido à inclusão de novos atletas e, para mais, estrangeiros, foi notória na primeira metade da época, em que muitos deles estiveram claramente abaixo do seu rendimento habitual, como foram os casos de Selva, Bargalló, Cancela, Font e Gil. No caso de Font a adaptação continua por ser assunto ainda por resolver, já que o catalão ainda não chegou ao nível que tinha na OK Liga, aliás, em texto escrito no início da época, disse que era um atleta que vivia muito do momento. Se lhe derem confiança e as coisas começarem a correr bem, embala, senão, será complicado, e a última época no Vic foi disso exemplo, onde o avançado começa em grande forma mas após alguns erros defensivos decisivos para o desempenho da equipa, começou a baixar igualmente o seu nível ofensivo. Cancela, apesar da boa exibição frente ao Benfica na Luz, não se livra de confirmar as baixas expectativas que tinha dele. Um jogador de pouco ritmo e sem presença física, muito bom para o hóquei italiano precisamente porque ali o físico e o ritmo não são tão importantes quanto a capacidade técnica que, indiscutivelmente, Cancela tem. De resto, na segunda metade da época, todos os reforços do campeonato português justificaram a sua vinda.

Dos quatro candidatos, começamos pelo que mais cedo se arredou da luta. O Sporting veio de baixo, com Gilberto Borges. Foi de divisão em divisão, sempre dentro ou até acima das metas estabelecidas até chegar ao momento em que a luta pelo título começa a ser prioritária. Mas a luta para vir de baixo é bem diferente da luta para ficar em cima. Isto é como em tudo na vida. Quando se constrói uma casa, os pedreiros constroem, os pintores pintam. Os pintores não desenham a casa, não, são os arquitectos. O Sporting precisa de pôr os arquitectos a desenhar e os pintores a pintar, ou seja, colocando nos lugares certos as peças certas, de acordo com o nível de conhecimento na modalidade. Como director deveria estar alguém que tivesse um mínimo de conhecimento técnico/táctico da modalidade, tal como acontece, por exemplo, no futsal do mesmo clube. Ainda assim, para isso até há solução e o Benfica demonstrou-o enquanto José Trindade era director dos encarnados. Se o director, mesmo não sendo um expert na matéria, consegue o treinador certo, a sua pele está salva. A Gilberto Borges parece-me que isso está para acontecer brevemente, com Paulo Freitas. E não está em causa o ganhar - ganhar só calha a um - está em causa o andar na luta pela vitória até à última.
Foto: Diário de Notícias

E porque é que não poderia acontecer com Guillém Pérez e José Trindade? Não poderia acontecer porque, aí, a bota não batia mesmo com a perdigota, e o melhor exemplo que tenho para vos explicar a minha teoria vem da final da Liga Europeia entre o Réus e a Oliveirense, quando o relatador catalão da TV3 Catalunha comenta o minuto de desconto pedido por Tó Neves: “é uma prática muito habitual nos conjuntos portugueses, também com o Benfica, os jogadores tinham mais protagonismo nos minutos de desconto”. Tó Neves, Pedro Nunes e Paulo Freitas – ainda que, no caso de Freitas, haja muito mais intervenção no tema defensivo e na paciência no ataque – colocam em prática esquemas simples porque na verdade é-lhes mais importante os jogadores do que as ideias, ao passo que, por exemplo, no Porto, com um treinador catalão, as ideias são mais importantes que os jogadores. É evidente, como em qualquer parte no Mundo, que Cabestany também precisa dos jogadores certos para as posições, essa não é a diferença, a diferença é o jogador ser mais importante que a ideia ou a ideia mais importante que o jogador. 

Não é por acaso que o Barça nunca adquiriu Pedro Gil, Bargalló ou Nicolia, porque lá, as ideias são mais importantes que os jogadores, e o mesmo se passa com Cabestany ou Guillém Pérez que, quando chegou ao Sporting, quis implementar oito modelos de ataque e vocês podem calcular a reacção das "vacas sagradas”. No FC Porto só há uma “vaca sagrada” e essa jogou no Barça, conhece e obedece à mentalidade da ideia de jogo colectiva enquanto prioridade, daí que, treinador catalão no FC Porto, com uma média de idades baixa, origine uma equipa a jogar hóquei de grande nível, ao passo que levar um treinador catalão para o Sporting com um plantel cuja média de idades é bem alta, ainda que tenha três catalães na equipa, é colocar uma corda no pescoço.

Pedro Nunes, Tó Neves e Paulo Freitas também têm a sua influência mas noutras situações como gestão do cinco em pista ou que ritmos colocar, isto é, se pressiona alto, baixo, se faz posse de bola ou não, mas isso não é ideia de jogo, é a situação do momento. Cabestany gere o cinco em pista, o ritmo de jogo e ainda coordena a ideia de jogo. Tó Neves chegou a fazê-lo quando foi para o FC Porto mas cedo entendeu a lógica de que, jogando com as “vacas sagradas”, ou ele se adapta ao que eles querem ou bem podia escolher outra profissão porque, em Portugal, são os jogadores influentes que mandam nas equipas, não são os treinadores. E treinador que tenha “vacas sagradas” na equipa já sabe, ou se adapta, ou está fora, porque não vai ganhar. Até podia ganhar com as suas ideias, mas não vai ganhar porque os jogadores não querem, os jogadores querem jogar à maneira deles e colocam-no fora. Há uma equipa que hoje luta pelo título nacional que há épocas atrás foi praticamente montada pelo seu guarda-redes e isso explica muito daquilo que aqui escrevo. E não começa na primeira divisão, começa nos benjamins, quando os jogadores têm oito anos de idade, mas em vez de serem eles a mandar, são os pais.

Mas não foi por isso que Tó Neves perdeu e muito menos Pedro Nunes. Pedro Nunes merecia ter ganho, tal como Cabestany. A Tó Neves, há que tirar o chapéu pelo início de jogo na Luz, conseguindo segurar o esférico como poucos fazem frente ao Benfica, e marcando em contrapé. No entanto, faltou à Oliveirense o assumir o jogo na hora da verdade, seja com o Benfica na Luz, seja com o Sporting e com o FC Porto em Oliveira de Azeméis. Por exemplo, o FC Porto, com o Benfica no Dragão, jogou para ser campeão, arriscou quando tinha de arriscar, tal como o Benfica no Dragão, na Luz e em Alverca, coisa que a Oliveirense, apesar das boas exibições frente aos três candidatos, nunca conseguiu fazer.

Foto: Super Sporting

Arbitragens

Para o tema que nos traz aqui, resta tocar em dois tópicos mais. O primeiro, que quer Benfica quer FC Porto seriam justos vencedores deste campeonato e que não foi a arbitragem que decidiu o campeão, até porque, quem mais tem chorado (Benfica), tem-se esquecido de criar programas na BTV a explicar os lances em que foi beneficiado, em vez de criar programas para explicar apenas os lances onde foi prejudicado. Só para rematar com a questão, onde estão os comentadores de árbitros para falarmos dos dois últimos livres directos e penálti na última partida? Em que planeta é que estamos para que alguém ouse dizer que os lances para cartão azul e grande penalidade, no caso da bola que ficou por baixo de Girão, justificam tais decisões? A arbitragem foi péssima para todos, durante todo o ano, porque o critério utilizado pelas equipas de arbitragem é demasiado curto. Ora, numa modalidade em que o contacto físico é constante, as decisões acabam por se tornar triviais e essa trivialidade, no final das partidas, acaba por ser decisiva, umas vezes para um lado outras vezes para o outro. Se o critério fosse: assinalar quando a falta é indiscutível e na dúvida deixar seguir, a trivialidade desaparecia, o critério era uniformizado e o peso da arbitragem nos encontros seria menor. Mas, de acordo com os relatos que obtive de alguns árbitros, os líderes do apito querem outro caminho, do pormenor, piorando e redobrando o trabalho da arbitragem que, já por si, tem o defeito de grande parte dos árbitros não ter jogado hóquei, denotando-se com muita clarividência a falta de sensibilidade dos mesmos em muitas das não-faltas assinaladas ou faltas por assinalar, nomeadamente no capítulo das simulações, onde existe pouca noção daquilo que realmente é falta e, também, de que nem sempre existe ou falta ou simulação. Muitas vezes, nenhuma delas pode existir.

Os três melhores
1) Carlos Nicolia

Foto: Sapo Desporto

Mesmo sem ter marcado o último livre directo do campeonato, fez-nos lembrar o Rocky Balboa noutros encontros. A aparecer quando menos se espera, quando o resultado parece já estar fechado. Se há mágico sobre patins, esse mágico é claramente o argentino. Tudo o resto já aqui foi escrito, noutros textos, e não gosto muito de me repetir.

2) Reinaldo García Mallea

Foto: FC Porto
Foi o único jogador do campeonato a conseguir literalmente parar Nicolia. No clássico do Dragão, Reinaldo marcou o cinco do Benfica durante todo o encontro, fechando a sete chaves o largo leque de munições do Cabezas que, talvez desde há largos anos, nunca se tinha sentido tão impotente perante um adversário. Conhecendo como conhecemos o potencial do Nicolia, o feito de Reinaldo é deveras notável, até porque é bem mais difícil um hoquista evidenciar-se positivamente a defender do que a atacar, e logo perante o melhor do Mundo, durante praticamente cinquenta minutos. É obra e demonstra bem a qualidade de Reinaldo que já era essencial na equipa em termos tácticos e principalmente defensivos – jogador da equipa com mais minutos na última época e na presente – e este ano também conseguiu fazer muita diferença no ataque.

3) Diogo Rafael
Foto: Região de Cister

Um salto qualitativo muito grande. Era quase sempre um dos visados nos lances de golo sofridos pelo Benfica e este ano não só cumpriu as tarefas defensivas com distinção como melhorou a sua influência atacante, quer no remate de meia distância que já tinha mas principalmente nas assistências para a área e no um contra um. Notou-se, ao longo da época, um Diogo Rafael muito mais forte fisicamente, ao nível do arranque e também na resistência e, meus amigos, o hóquei não é política nem xadrez, é, mais do que patins e stick, físico. Um atleta em grande forma física faz a diferença em todos os capítulos e Diogo Rafael fez a diferença através dessas valias que, claro, trazem-lhe mais capacidade de ultrapassar adversários e de ganhar bolas, dois factores essenciais na análise de um jogador de hóquei.


Um número, para acabar
Ao longo deste campeonato, o FC Porto recuperou cinco resultados negativos, o Benfica recuperou oito.

Foto: Mais Futebol

Comentários

Anónimo disse…
Só te esqueceste do golo que entrou do Sporting contra o Porto e só os árbitros não viram...ou então quando te referes ao pênalti de Girão esquecer o primeiro golo do Sporting...ou ainda a agressão de Pedro Gil que deveria ser vermelho!!
Mas pessoas como tu matam o hóquei e se calhar ficam a jogar sozinhos já neste fim de semana!!!
Anónimo disse…
Realmente, é preciso ter uma lata depois da roubalheira que foi este campeonato novamente decidido pelos irmãos Pinto e com 2 novos protagonistas, sempre a favor do mesmo como há anos. Gostava que dissessem os lances em que o Benfica foi beneficiado. E engane-se quem pensa que o Benfica só foi prejudicado no empate entre Porto e Sporting e no jogo com o Sporting na última jornada ou até apenas no campeonato. Disso claro que convém não falar.
Anónimo disse…
Dizem que o campeonato é do Reinaldo e põem-no em 2º lugar e não em 1º. LOL Mas melhor foi o HoqueiPT que no 5 inicial não pôs o Nicolía.
Anónimo disse…
Eu diria mais, o campeonato é do Paulo Rainha, do Júlio Teixeira e dos irmãos Pinto (Joaquim e José).