Análise à Final do Mundial 2019, Portugal-Argentina

Nesta análise pretendo demonstrar duas abordagens diversas ao mesmo jogo, defensiva e ofensivamente. E pretendo demonstrar, também, que, na minha opinião, o que devemos fazer no ataque tem de estar de acordo com a defesa contrária, ou seja, a defesa contrária é que me vai exigir mais ou menos movimento, mais ou menos dinâmica, ainda que a dinâmica máxima (participação dos quatro elementos na ação ofensiva) seja sempre solução. A questão aqui é: às vezes é solução, outra vezes é obrigação. Neste jogo, foi uma opção para Portugal e deveria ser uma obrigação para a Argentina.

Analisarei também as diferenças de agressividade defensiva, onde Portugal foi mais permissivo e só beneficiou da falta de dinâmica do ataque argentino. A Argentina, mais agressiva, saiu prejudicada pelo pouco risco do ataque português, constantemente a movimentar apenas dois jogadores.

Além disso, iremos ver outros quatro pormenores: saída da pressão, defesa 4x3, defesa individual dentro da área e rotação atrás da baliza.

1) Defesa portuguesa/ataque argentino - atrás da baliza
A questão, para mim, é sempre: há ajudas defensivas? Neste caso sim, há muitas ajudas defensivas. Quando o jogador argentino está atrás da baliza, os quatro jogadores portugueses estão dentro da área. Como é possível 'destruir' as ajudas? 'Convidando' o(s) jogador(es) que está(ão) a ser defendidos pelas ajudas. Vamos ver alguns lances em que a seleção argentina conseguiu/quis fazê-lo e outros que careceram desta participação dinâmica dos quatro jogadores no ataque, facilitando a defensiva portuguesa que assim podia fazer ajudas sem grandes problemas.

Primeiro lance - Posicionamento defensivo português, bem explícito: os quatro concentrados no portador da bola, na primeira imagem estão mesmo todos virados para a bola.


Segundo lance - Médios muito longe da ação. Quando são chamados à ação, estão muito longe e permitem e reposição da defesa portuguesa e a mudança a tempo da atenção para o lado da bola.


Terceiro lance - O portador da bola puxa a bola para trás da baliza, o que é muito positivo para o ataque pois dificulta a ação da defesa que dificilmente consegue estar de frente para a bola e para o atacante direto ao mesmo tempo. No entanto, jogando Portugal com ajudas e com todos os jogadores mais concentrados no portador da bola, era necessária mais dinâmica dos médios. O círculo que desenhei a preto na segunda imagem faz referência a essa ausência dos médios na participação ofensiva. Estão muito afastados da zona da bola.


Quarto lance - Jogada semelhante à anterior. O círculo vermelho representa o espaço onde o médio deveria estar para dar apoio ao ataque. Ficando longe como ficou, e recebendo a bola como recebeu, deu tempo à defesa para se recompor.


Agora mostramos outros lances atrás da baliza em que a seleção argentina atacou a três e onde verificamos de imediato as dificuldades defensivas de Portugal. Continuo a dizer, o ideal seria movimentar os quatro para eliminar as ajudas. Quando digo movimentar os quatro, não digo atacar os quatro. Naturalmente que dois irão defender e dois irão atacar, mas o movimento é que faz com que o nosso defesa direto ganhe interesse em nós. Se tivermos parados no meio-rinque ele não se irá preocupar.
 
1 - Ataque a três


2 - Ataque a três (na última imagem conseguem ver assinalado por mim o possível posicionamento do quarto jogador e a alternativa atacante dada pelo mesmo)


3 - Ataque a três



3 - Ataque a três, Hélder Nunes procura a ajuda e o ataque ao homem da bola mas não pode, uma vez que o seu oponente direto está a participar no ataque. Como há mais um jogador a participar no ataque, a possibilidade de um jogador português compensar a falha do Hélder é muito mais reduzida. Esta movimentação argentina obriga o jogo a ficar mais individual (1x1), e ainda mais ficaria se tivesse quatro em vez de três.




4- Outro lance, a mesma situação


5- Jogadores portugueses começam a ficar baralhados em relação à sua posição. Devo ficar de frente para a bola ou devo concentrar-me no meu jogador? Esta dúvida faz com que nem consigam atacar o portador e, ao mesmo tempo, percam a noção do seu oponente direto. Juntando a isto o facto de a Argentina ter começado a atacar com três, a coisa complicou-se bastante.



Outro lance idêntico

Dois na bola atrás da baliza, um jogador a ficar solto para finalizar

Um último lance que não começa atrás da baliza mas que também explica como a importância de todos poderem participar no ataque torna o mesmo muito mais dinâmico e impossível de defender com ajudas. O médio do lado contrário, vendo que o seu oponente direto estava concentrado na bola, poderia ter feito a desmarcação. Em vez disso afastou-se. Não encontro lógica nesta opção.



2) Defesa argentina/ataque português - atrás da baliza
Uma vez que a seleção argentina defende 1x1, sem ajudas, Portugal tinha duas opções: jogar a quatro, arriscando mais e quiçá sem necessidade, ou jogar a dois, como fez e como vemos nesta imagem.



3) Defesa portuguesa/ataque argentino - laterais
Na defesa dos bloqueios também existiram diferenças entre os dois finalistas. Portugal sempre numa perspectiva permissiva, preferindo a troca que a pressão ao portador da bola. Esta situação traz situações perigosas, mas têm de ser aproveitadas pelo adversário. Se não forem exploradas, beneficiam quem defende. A lógica é a mesma explicada no primeiro ponto: a procura da troca de marcação por parte de Portugal abre espaço a quem tem a bola, para o remate ou para procurar a intervenção da ajuda do lado contrário. Ao procurar essa intervenção, solta o companheiro que está a ser marcado pela ajuda.

Primeiro lance. Nicolia tem espaço para passar da lateral para o meio e rematar ou passar ao médio do lado contrário, mas esse médio nem apareceu. Ficou a meio-rinque. O ataque morreu.


2- Espaço que João Rodrigues dá. Jogador português que defende o portador mal colocado, deveria ter os patins virados para o portador ou para a sua baliza, de modo a poder acompanhar o bloqueador com mais facilidade quando a troca acontecer. Conclusão: muito espaço para o ataque. Pergunto-me, o que é mais importante? A troca de marcação ou não dar espaço em zona perigosa ao ataque?



3- Noutro lance, veja-se o espaço disponível ao portador. Tudo para o outro médio participar, o que não acontece.


Outro lance idêntico. Sem troca mas com o defesa do portador a passar por dentro.





Outro lance, com troca e com espaço para o portador.



Nesta imagem (outro lance) vê-se o espaço interior disponível para Nicolia (portador da bola)


Ordóñez (portador da bola) aproveitando o espaço dado pelos defesas - que se preocupam mais com a troca - para rematar.



4) Defesa argentina/ataque português - laterais
A seleção argentina, mais subida defensivamente, também foi mais agressiva no ataque ao portador da bola assim que lhes 'cheirava' a bloqueio, obrigando o portador da não aproveitar o movimento sem bola do seu companheiro.


Neste lance vão mesmo dois jogadores ao portador da bola, ficando o terceiro jogador argentino na compensação.



Aqui um lance argentino à portuguesa. Espaço para o portador da bola que tinha a zona interior para explorar. Mesmo assim, optou pela lateral e foi ao encontro de Nicolia que trocou a marcação.



Com a defesa argentina subida, Portugal atacou muitas vezes a dois elementos como vemos nos próximos dois lances.

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5) Saída da pressão - Portugal
Um dos pontos mais fortes das equipas de Renato Garrido. Saída de pressão e posse de bola sob pressão. Jogadores muito abertos e fazendo movimentos constantes e verticais em vez de horizontais, fazendo com que quem esteja na defesa passe a ser o atacante e quem está na zona ofensiva passe a ser o jogador mais recuado.

A vantagem destes movimentos, na minha opinião, são os patins. Ou seja, qual a direção dos patins no caso de uma perda de bola. Se quem perder a bola é quem está a patinar para a sua própria baliza, não só é praticamente impossível perdê-la porque está quase sempre à frente do defesa como, se perder, já está com os patins virados para a zona defensiva. Se quem perder a bola é quem está a patinar para o ataque, o jogador que lhe roubou a bola está também a patinar na mesma direção, ou seja, para a sua baliza. Se ganhar a bola, o tempo de se virar para o ataque permite ao adversário (Portugal) de se recompor defensivamente.

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2- Outro pormenor importante, deixar as tabelas soltas para o portador da bola passar ou avançar com bola conduzida.


6) Defesa 4x3 - Argentina
Pressão ao portador da bola deixando dois jogadores livres para um defesa. Quando o passe é feito para um desses elementos, o defesa que estava em inferioridade vai cortar a linha de passe entre esses dois elementos livres e avançando para o portador da bola ao mesmo tempo, obrigando o portador da bola a passá-la. Enquanto isto acontece, o jogador que inicialmente fazia pressão ao portador vai fazer o trabalho do elemento que estava com dois elementos e que entretanto foi pressionar o elemento que recebeu a bola.





7) Defesa individual no interior da área
Má rotação de Ordóñez, na minha opinião. Roda de costas para a bola quando deveria rodar de frente para a bola. Assim, perde a noção da bola e está sempre em reação e não em antecipação.


Boa rotação de Henrique Magalhães, de frente para a bola, ainda que o génio de Ordóñez levasse a melhor na jogada seguinte, ao conseguir arrancar em antecipação ao defesa para ganhar espaço na área.


Aqui novo bom posicionamento de Henrique Magalhães dentro da área, posicionando-se de frente para a bola, à frente do adversário direto. Tal como no lance anterior, não conseguiu evitar que o avançado recebesse a bola. E por isso mesmo puxei estes dois lances, porque, na minha opinião, a defesa individual dentro de área é muito difícil e muito difícil de definir um posicionamento perfeito que evite o ataque de ser bem sucedido, daí que defende que o melhor é pressionar o portador da bola para fazer com que não tenha toda a capacidade de fazer a melhor assistência possível.




8) Rotação atrás da baliza
Um lance muito argentino de Ordóñez. Rotação à tabela, mais difícil ainda de defender se for atrás da baliza como é o caso. Duas vantagens neste lance para Ordóñez. Uma: Henrique tem o stick do lado da baliza, sendo difícil para Henrique cortar a bola na hora da rotação. Duas: Henrique roda para o lado de Ordóñez, reage, não antecipa, e obviamente vai ficar atrás do argentino. Henrique deveria ter rodado para o lado da baliza, se quisesse até, dar a volta pela frente da baliza e 'reencontrar' Ordóñez no poste contrário, com a vantagem de estar de frente para o seu adversário e não atrás dele, como ficou. Se quiserem ver um bom exemplo basta verem lances de Nolito Romero no Sporting, é o melhor defesa que conheço nestas situações, porque vai pressionar o avançado atrás da baliza mas quando o avançado muda de direção, Nolito roda sempre virado para a sua baliza e não para o avançado, de modo a apanhá-lo mais à frente. Virar as costas ao avançado nesta situação não é de todo perigoso, uma vez que o avançado também está de frente para a tabela e de costas para o jogo.





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